Todo dia ele faz tudo sempre igual.
Todo dia ele acorda e… repete a vida até o anoitecer, como se fosse um disco quebrado.
Todo dia ele comete os mesmos erros e come o pão que o diabo amassou.
Todo dia é sempre o mesmo dia com a mesma agonia.
Cansaço e tédio.
Todo dia ele acorda e sorri para a vida.
Todo dia ele observa o novo e vigia os ataques do velho.
Todo dia ele esvazia a casa, recicla o lixo, faz uma faxina nas velhas emoções.
Todo dia é sempre um novo dia.
Todo dia é dia de se abrir para a vida com alegria.
Todo dia ele vive o cotidiano como O Caminho.
Energia e disposição.
Qual o segredo da mudança? O que leva uma pessoa a sair do cansaço e tédio para a energia e disposição? Entre as duas atitudes descritas acima há uma infinidade de técnicas, religiões, terapias; alternativas ou não, posturas, respirações, reprogramações, tradições milenares e drogas sintéticas e naturais oferecendo este benefício. Elas são eficazes? Qual delas cumpre o prometido?
Na verdade todas são e não são eficazes. Todas são instrumentos, todas são estágios da verdadeira mudança que só pode ocorrer no interior de cada indivíduo. Acredito que todos sabemos disto mas, … em verdade podemos realmente mudar nossa atitude interior? Como?
A vida é mudança, não há o que mudar só há a mudança.
Tudo o que precisamos, está bem na nossa frente, está aqui, presente no nosso tédio e cansaço, nas nossas queixas e aborrecimentos, mas tão tênue e imperceptível que não ouvimos, não vemos e não nos damos por isto. A cultura chinesa desenvolveu toda uma ciência empírica para explicar os processos da mudança. Na concepção desta ciência milenar, quem opera as mudanças é o Tao. Palavra usada para designar o inominável. O Tao é a mudança, o sentido da vida. Não se pode defini-lo.
The Tao is very close, but everyone looks far away.
Life is very simple, but everyone seeks difficulty.
-Taoist Sage, 200 B.C
Tradução: O Tao esta tão perto e as pessoas o procuram longe. A vida é muito simples, mas todos buscam a dificuldade.
Levei anos de treinamento para compreender o obvio, para entender que não há caminhos certos ou errados, que a vida, do geitinho que ela é, sem mais nem menos, é o Verdadeiro Caminho. O nosso cotidiano é a prova, o exercício e o campo da nossa mudança. Qualquer instrumento é válido quando o utilizamos para entrar na mudança. Ela acontece por uma simbiose e um deixar ser, nunca pelo esforço árduo em horas de práticas como meditações, posturas, respirações, orações ou remédios. Isto não invalida nenhum destes instrumentos mas ninguém muda apenas por possuir instrumentos. Ninguém toca um instrumento porque o possui, e ninguém colhe porque adquiriu as sementes e uma terra boa. É preciso saber usar o instrumento para criar musica e é preciso plantar para colher o fruto.
As pequenas coisas
Onde mora o Tao…o Deus e o Diabo….
Vivemos a crença errônea de que as grandes mudanças na nossa vida vêm de fora, de algo inesperado e grande que nos acontece, ou de uma decisão revolucionária que vira nossa vida de ponta à cabeça. Mas na vida prática, notamos que as coisas não se processam assim de uma forma tão drástica. O choque de um acontecimento inesperado pode realmente ser o começo de uma grande mudança, mas, a manifestação desta mudança em nosso cotidiano, é a única prova objetiva de que mudamos. E isto só acontece gradualmente, como a vida, que cresce lentamente mas que perdura e permanece sempre se renovando. São pequenos passos que damos, pequenas mudanças no nosso comportamento que alavanca as grandes transformações. Deus e o Diabo moram nas pequenas coisas, nos detalhes.
Horas de meditação e exercícios, podem lhe ajudar a conectar energias superiores e sutis e a focalizar sua atenção, mas tudo isto ainda será apenas um instrumento se você não consegue manifestar estas frequências superiores no seu comportamento cotidiano. O caminho é o nosso cotidiano e, os instrumentos, qualquer um deles, só será efetivo se forem materializados em experiência.
Havia um terapeuta famoso na minha cidade. Milhares de pessoas esperavam na fila pela oportunidade de se consultar com ele. Eu o conheci, ele tinha olhos de anjo, muito inteligente, sempre com respostas para qualquer uma das nossas dúvidas. Passava horas do dia em meditação trancado em seu quarto. Era belo, transpirava espiritualidade, tudo nele faria qualquer um acreditar que tinha conhecido um mestre. Acreditava nisto até que um dia, sua mulher, veio fazer uma consulta ao I Ching comigo. O verdadeiro homem apareceu, a vida desta mulher era um inferno. O terapeuta não suportava o barulho de uma cortina esvoaçando ao vento quando estava meditando. Se ouvisse o som de uma brisa, saia do quarto transfigurado em raiva e quebrava tudo que encontrava pela frente, inclusive a mulher. Isto é o exemplo extremo da separação entre o nosso comportamento cotidiano e a nossa prática espiritual porém em grau menor, todos nós, vivemos uma contradição entre o que praticamos e como vivemos (nossas reações emocionais no cotidiano)
Há alguns fatores que são responsáveis por este antagonismo entre nossa vida espiritual (o sagrado) e nosso comportamento cotidiano (o profano). O primeiro deles é causado pelas emoções negativas que nos seqüestram e o segundo pela nossa sexualidade não trabalhada.
Emoções são reações fortes a nossos sentimentos. Quando não identificamos e não sabemos como transformar estas energias (as emoções negativas), somos divididos. A mão direita não sabe o que a esquerda esta fazendo e nosso sagrado têm hora marcada para acontecer, no meio do caos do nosso cotidiano profano. Trabalhar emoções é antes de tudo identificá-las e logo em seguida transformá-las. A constante vigilância de nossas reações cotidianas já é o inicio desta transformação. O passo seguinte é sorrir, sorrir para estas emoções até que percam a força sobre nós. Ë desafia-las a cada momento, perguntar quem lhe ensinou a ver e a sentir as coisas desta forma. O próprio desafio a estas reações já é forte o suficiente para evitar que sejamos seqüestrados por elas.
O segundo empecilho, a sexualidade, requer mais coragem para desafiar as hipocrisias e crenças que estão profundamente enraizadas na nossa mente. Quase todos os problemas humanos vêm de uma desarmonia na área da sexualidade. Freud já explicava isto. Nos últimos 100 anos a psicologia tem estudado a sexualidade humana. Levando em conta os milhares de anos de nossa civilização, isto é muito pouco tempo. Acredito que a psicologia ainda não encontrou a resposta porque em primeiro lugar confunde a energia criativa sexual com o sexo genital, e em segundo lugar porque esta mais preocupada em liberar esta energia do que em transforma-la em energia utilizável, em vitalidade, bem estar e capacidade de realização.
Alguns místicos compreenderam a importância do trabalho de transformação desta energia e a transformaram em êxtase, mas poucos, muito poucos, conseguiram usá-la para melhorar sua qualidade de vida e saúde. No meu entender só a hipocrisia e uma moralidade doentia pode cegar o homem a ponto de não ver o potencial energético de um orgasmo. O preço desta cegueira é a violência crescente e a divisão na nossa vida cotidiana entre o sagrado; considerado as fontes do conhecimento intelectual, cultural e espiritual e o profano; o prazer, o sexo e o lazer ou seja, o nosso dia a dia. Quanto mais cresce a distância entre estes dois pólos, mais cresce a violência, a luta de classes, de sexo e de insatisfação no mundo.
Algumas tradições muito antigas como o Chamanismo e o Taoismo conheciam a tecnologia do trabalho de transformação realizado no cotidiano. Para estes povos não havia a dicotomia entre o sagrado e o profano porque seus rituais ou técnicas sacralizavam tudo o que poderia ser visto como profano ou seja: o sexo, o trabalho, a rotina do cotidiano humano. O homem moderno desprezou sua condição humana, tentou criar um deus de barro; a ciência e a religião, para não encarar sua natureza animal e natural. Agora paga o alto preço do caos social e individual por isto.
Precisamos abandonar nossa hipocrisia e retornar para o natural e o real. Aprender a sentir prazer na vida, a transformar a energia genital em energia criativa, disposição e satisfação em viver, nossas emoções negativas em positivas, a VER. Se encaramos o nosso cotidiano como O Caminho, certamente vamos descobrir nossa sexualidade e emoções doentes gritando no nosso interior, pedindo ajuda e atenção. Assim entramos no caminho, e começamos nossa viagem de transformação do profano no sagrado e do sagrado no profano, até realizar a simbiose necessária que integrará nossos extremos. O Deus e o Diabo que mora nas pequenas coisas não se deixa enganar. Nossa falência humana pode ser decretada exatamente aqui, nos pequenos atos de nosso cotidiano. Somente aquele que for sincero e corajoso o suficiente para encarar sua condição humana, poderá viver o seu cotidiano como o Caminho, poderá compreender O Tao. Para os outros, resta o eterno engano e o desespero de ter que encarar o Deus ou o Diabo que mora nas pequenas coisas, no cotidiano.
O Tao está tão perto e as pessoas o procuram longe. A vida é muito simples, mas todos buscam a dificuldade.
Frase de um sábio Taoista que viveu 200 anos antes de Cristo
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