O Não Julgamento dentro do pensamento chinês

Muitos estudiosos do I Ching – o Livro das Mutações falam sobre o “não julgamento” como uma premissa básica da espiritualidade. Sempre encontramos pessoas serias que estudam varias ciências da antiguidade e as misturam acreditando que todas levam ao mesmo objetivo espiritual. Não pretendemos discutir esta afirmação. Sim todas levam a um mesmo objetivo espiritual, mas com perspectivas diferentes e leis próprias ao estudo de cada uma destas tradições. Este texto pretende discutir a idéia do “Não Julgamento” quando trabalhamos com os fundamentos da cultura chinesa e do I Ching. Pretende tornar mais claro certos aspectos da cultura e pensamento chinês, na esperança de ajuda-los a melhor compreender as bases onde se enraízam os julgamentos do I Ching.

O I Ching é a base do pensamento chinês e, representa com sua estrutura um modelo das leis naturais das mudanças. Durante seu desenvolvimento na China, sua filosofia original sofreu influencias de varias religiões, como o Taoísmo, Budismo e outras. Vários autores re-escreveram os textos clássicos do Rei Wen do Duque de Chou e de Confúcio, tentando dar ao livro um sentido que servisse a suas religiões.

Vamos falar um pouco sobre o I Ching antes de sofrer estas influências. O I Ching é um oráculo vegetal.  As leis que expressa, vem da observação de como a vida (as mudanças) se desenrola no reino vegetal, na passagem das estações do ano pelo movimento do sol e das fases da lua. Dali os homens sábios do passado retiraram o modelo das mudanças e criaram os 64 hexagramas.

O julgamento parte importante do I Ching,  foi escrito pelo Rei Wen quando criou a seqüência do Céu Posterior ou do mundo manifesto, e lapidado por Confúcio e suas 10 asas. O julgamento tem a função de ensinar aos homens a como usar seu livre arbítrio, tomar decisões em harmonia com as leis das mudanças que é uma lei natural. O julgamento dos hexagramas mostra claramente como cada uma das 64 situações devem amadurecer e como o homem deve agir naquela situação arquétipica. As linhas que julgam mais especificamente as ações humanas, foram criadas pelo Duque de Chou, filho do Rei Wen. Quando estamos em desarmonia com estas leis recebemos uma admoestação e uma orientação, quando estamos em harmonia recebemos um elogio ou um bom augúrio. (lembre-se que tomar decisões requer uma escolha e quando escolhemos julgamos.)

Resumindo o I Ching julga as ações humanas com base neste modelo da natureza e aconselha em cada uma das 64 situações e nos julgamentos das linhas, a como nos harmonizar com as mudanças. A vida é mudança, não há o que mude só há as mudanças. Isto significa que o homem pode resistir ou se harmonizar com estas mudanças, mas nunca pode paralisa-las, ou mesmo tomar decisões sem atrair uma resposta positiva ou negativa destas leis.

Muitas pessoas misturam a filosofia chinesa com critérios filosóficos de outras religiões criando uma grande confusão. Não julgar, jamais seria uma prerrogativa da sabedoria chinesa. Julgar com sabedoria sim. E o que realmente significa julgar com sabedoria? A resposta a isto só surge quando compreendemos as leis da mudança e aprendemos a “ler” as situações da vida comum em seus primórdios. De uma boa semente só pode crescer bons frutos, de uma semente doente só poderá crescer um fruto ruim. Por exemplo qualquer um de nós pode inferir acertadamente que vai chover quando as nuvens estão baixas, carregadas e o trovão chega anunciando a chuva. Esta simples inferência vem das leis da mudança que afirmam que a chuva chove quando a atmosfera esta carregada.  Nenhuma pessoa que conhece as leis que regulam a chuva iria dizer que esta pessoa esta fazendo um julgamento que vai chover e que isto é errado.

Não julgar é uma crença religiosa budista, e aplica-la dentro da cultura e filosofia chinesa denota um desconhecimento  dos fundamentos filosóficos desta cultura. Ao lidar com o Budismo use sua filosofia e leis e ao consultar o I Ching use a filosofia milenar chinesa e seus princípios.  Não há moralismo no I Ching porque como diz o Tao Te King a moral só surge quando as virtudes desaparecem. (virtude aqui considerada no sentido original de Virtus- habilidade)

Consultando sempre o I Ching aprendemos a conhecer as leis de amadurecimento de uma determinada situação na vida. Apos alguns anos de aprendizado destas leis, podemos acertar 100%  ao inferirmos o que uma determinada situação significa e para onde ela deve amadurecer ou se dirigir. Conheceremos os resultados analisando as sementes e os potenciais que ela encerra. Faremos julgamentos com sabedoria e nada poderá nos enganar. Não julgar é uma prerrogativa perigosa neste momento grave onde a clareza e a acuidade de julgamentos seria o único instrumento que temos para nos proteger de tantas crenças e valores podres desta civilização que morre.

Desejo a todos, clareza de julgamento e um bom estudo das leis das mudanças, não apenas no I Ching mas também na vida.